Ela era bem pequena, pequenina mesmo, e absolutamente apaixonada pela história do Pedro e o Lobo. Sabia de cor todas as músicas, ficava brava quando a gente cantava a melodia do gato Ivan trocando o “tu tu tuuu” do clarinete pelo som de qualquer outro instrumento e, ao ouvir as primeiras notas tocadas pelas trompas, fechava os olhinhos antes mesmo que o lobo aparecesse na tela olhando pra câmera abrindo aquele bocão. Todos os fins de semana, terminado o almoço, ela vinha e pedia pra gente colocar o “Pedulôbo” pra ela assistir.
E foi depois de mais uma dessas muitas sessões que ela, sentada comigo no chão da sala e rodeada de papéis e lápis de cor, me pediu para desenhar os personagens da história. Quem me conhece sabe bem que na última encarnação eu devo ter sido uma desenhista de renome e inegável talento, talento esse que ficou integralmente naquela encarnação e não respingou nem um cadinho para esta. Gente, eu não desenho, sabe. Mesmo. Eu canto, danço, tento tocar alguma coisa, até me arrisco na escrita, mas pra desenhar eu fico devendo. Como diriam os franceses, “ça ne róle pas”. Não rola.
Mas a gente tenta? A gente tenta, quem era eu pra desapontar a pequena, né. Comecei pelo Ivan, o gato, porque gato eu desenho colocando uma bola menor em cima de uma maior, puxando dois triângulos no alto da cabeça pra fazer as orelhas, daí vêm olhos, três fios de bigode de cada lado e um arremedo de rabo saindo da bolona maior. Taí o gato. Fui pra Sônia, a patinha que, como todos imaginam, foi feita de perfil a partir de um “2”. Sasha, o passarinho, foi um 2 pequenininho e pronto. E assim foi até o Lobo. Que não saía de jeito nenhum. O focinho comprido estava mais pra boca de um jacaré, o corpo era uma coisa inexplicável, sem falar que ele não amedrontaria absolutamente ninguém naquelas condições. Joguei a toalha. “Querida, sua tia não sabe desenhar o Lobo, desculpe…”
Ela olhou pra mim com aquela expressão entre curiosa e divertida, pegou o lápis de cor da minha mão e falou: “Mas o Lobo é fácil, olha!” E fez uma porção de rabiscos aleatórios na folha, virou o desenho pra mim e completou: “Pronto, aqui o Lobo!”.
Gente, a ficha caiu com um estrondo. Mônica, mas você é muito burra mesmo (meu consolo é que acho que muito adulto estaria me acompanhando nessa hora). Não tinha a menor importância o lobo ser um emaranhado de rabiscos, ter um focinho de jacaré ou um corpo que poderia ser tanto de um cachorro como de um cavalo. O lobo é tudo que você quer que seja um lobo, porque o lobo está na sua cabeça, e você sempre pode ver o lobo com os olhos da sua imaginação. Eu lá, toda sem-graça, pedindo desculpas pela minha completa incompetência artística, e foi preciso vir a menininha na maior tranquilidade me mostrar que a vida, senhoras e senhores, não tem que ser sempre literal e certinha e desenhadinha pra todo mundo ver a mesma coisa.
(lembrei desse caso depois de ler um post do Tiago no Tira do Papel)
“Toda criança é um artista. O problema é como manter-se artista depois de crescer.”
(Pablo Picasso)
The elephant song
“You don’t know anything about animals!”
A impaciência da menininha com o pai é uma delícia de ouvir :-)
Nossas sobrinhas cresceram mas a gente ainda bebe da fonte de quando, pra elas, um emaranhado de rabiscos tinha infinitas possibilidades...
Loved it!!!! Thanks !!!!🌹😘